O escritor moçambicano Mia
Couto deveria evitar fazer considerações políticas , para que possa continuar a
merecer a consideração e respeito de todo o publico nacional, para que seja uma
figura consensual, aceite por todos por não se deixar confundir com nenhuma das
partes em disputa política. Porém, tem sido recorrente Mia Couto posicionar-se
do lado do partido Frelimo e do seu governo. Nos seus pronunciamentos públicos,
Mia Couto não consegue manter-se neutro, sempre procura colocar-se do lado do
Frelimo e isso não faz bem para uma figura do tamanho dele que construiu a sua
fama com esforço e sabedoria próprios.
Numa agressão externa,
seria uma obrigação moral de todos se colocarem do lado do governo para
defendermos a pátria ameaçada e quem assim não o fizer, pode correr o risco de
ser rotulado de traidor, mas te não é o caso em apreço. Trata-se de uma luta
entre irmãos desavindos por razões sobejamente conhecidas – a exclusão de uns
pelos outros, da discriminação, em todos os sentidos, quer político, econômico
e social, de um grupo pelos outros, e da ganância pelo poder absoluto, não se
importando como chegar a ele.
O grupo a que Mia Couto
sai em defesa instrumentaliza as instituições públicas, a polícia e o sistema
judicial para garantir a manutenção e reprodução do poder. Os órgãos
eleitorais, desde o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, Comissão
Nacional de Eleiões passando perlo Conselho Constitucional – estão,
escrupulosamente, desenhados para garantir a vitória de uns e a derrota,
inevitavelmente, de outros, independentemente do sentido da votação. Esta é a
razão fundamental do conflito tanto ontem quanto hoje. Outra análise é de muito
sérias dúvidas.
Assim, as eleições servem
apenas para impressionar ao mundo ocidental que “nós também brincamos às
eleições” para o país continuar a receber apoios económico-financeiros e fazer
prosperar uma classe empresarial ou, supostamente, empresarial à custa de roubo
e gatunagem, depois de um piscar de olho das organizações internacionais como a
União Europeia que, de forma reiterada, abençoam a burla eleitoral,
transmitindo a mensagem de que há uma democracia para o mundo civilizado e
outra para os indígenas africanos. O que eles abençoam como bom para nós, na
terra deles nem para a latrina vai porque os seus povos abominam roubos.
Desta vez, Mia Couto diz
que a Renamo e Afonso Dhlakama ao colocarem pré-condições para se iniciar o
diálogo com o governo e Presidente da República demonstra que não deseja
conversar. Pensar de tal modo é uma grande falácia quem ainda se lembra de como
o governo quebrou a pouca confiança com a Renamo que ainda prevalecia. Depois
de mais de uma centenas de rondas infrutíferas entre as delegações do governo e
da Renamo, de duas emboscadas e um cerco à casa do líder da Renamo, numa
tentativa de o eliminar, fisicamente, à maneira angolana, seria ingénuo demais
que a Renamo aceitasse tudo sem a presence de uma mediação comprovadamente
séria e comprometida.
O que mudou de substancial
do lado do governo capaz de alterar a opinião da Renamo e do publico em geral?
Eu, pessoalmente,”desconsigo” vislumbrar. Vejo o mesmo governo agindo atrás das
mesmas intenções – excluir o diferente. A recente revelação da existência de
esquadrões de morte para matar os adversários da Frelimo só pode ser concebido
por gente horrível e sem moral. Nem mesmo o sistema colonial havia instituído,
em Moçambique, grupos armados para eliminar, pelas cidades, povoados e aldeias,
os potenciais adversários do regime como acontece nos nossos tempos de hoje. O
colono era mau, na verdade, mas, esses são piores, de facto.
Depois duas emboscadas das
forças governamentais, é exigir demais que Dhlakama vá ao encontro dos seus
carrascos como se fosse à praia ou a uma barraca tomar uma cerveja gelada e
saboreando tremoços. É um exagero intragável. Mia Couto deveria ser mais
equilibrado, equidistante das disputas políticas para continuar a ser o patrimônio de todos os moçambicanos, pois, ele é uma referência obrigatória da literatura moçambicana moderna e eu costume ler os livros de Mia Couto com
muito prazer. Se continuar a acenar a partir da janela da Frelimo, poderá ser
detestado por muitos dos seus leitores de hoje.
O tamanho que Mia Couto
ostenta hoje custou muito sacrifício a construí-lo e não deve dar ao luxo de
derrubar este edifício cultural de maneira leviana para agradar a um grupo de
pessoas que se mantém no poder através de truques e malabarismos. Mia Couto é
um grande escritor que extravasa as fronteiras nacionais, por isso, deveria ser
mais cauteloso para se deixar enlamar de qualquer maneira em questões políticas polêmicas, a menos que tire algum proveito disso.
Politicamente, pouco se
poderia esperar do posicionamento de Mia Couto porque, em 1974 e nos anos
subsequentes à Independência Nacional, ele fez parte do grupo que combatia o
multipartidarismo, por emoção do momento ou convicção própria. Muitos que assim
procederam, com o tempo foram mudando e, hoje, tomam outros posicionamentos
públicos. Mudar porque as circunstâncias mudaram, é sempre bom e uma atitude
de louvar. Até Judas Iscariotes mudou de opinião, por isso, se foi enforcar
quando, pouco depois, se apercebeu o sua atitude de se deixar vender por 30
moedas levaria Jesus Cristo, o seu Mestre, à morte certa.
Mia Couto, que hoje
recrimina Dhlakama, não condenou através da sua voz nem através da sua
principal arma – a pena – as emboscadas que as forças governamentais o
submeteram. O perigo cerco à sua residência, na Beira, não mereceu uma palavra
de repreensão ao partido Frelimo e ao seu governo, mas, não hesitou em dizer
que a Renamo e Dhlakama não querem paz. Mia Couto não viu nenhuma gravidade nas
atrocidades a que as populações de Moatize e Tsangano estão sujeitas pelas
forças governamentais que as obrigam a procurar refúgio e sossego no Malawi.
De forma nenhuma eu
pretendo cercear a liberdade de opinião de Mia Couto, como alguém pode pensar,
mas entendo que a opinião emitida por Mia Couto já foi formulada por muitos
outros mas nunca teve o impacto como foi da vez do nosso escritor. Os demais
podem repetir isso mil vezes ao dia e ninguém ouvir nada porque a voz deles não
chega aos céus. A diferença reside, exactamente, aí: Mia Couto é uma grande
figura social, não deve participar da divisão do povo. Mia Couto não é uma
figura qualquer. Basta uma palavra sua para inundar o mundo, por isso,
livrar-se de gente procurada pelo Tribunal Penal Internacional, acusada de
violação dos direitos humanos seria um passo importante passo.
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