Temos vindo a perguntar a várias personalidades da vida política nacional
moçambicana o que poderia ter feito para evitar que o país não voltasse à
situação de instabilidade política e à guerra como a que presentemente
Moçambique esta a passar.
Achamos que seja pertinente ouvir outras sensibilidades políticas, e não
só, o que poderiam fazer para assegurar a paz, estabilidade e o desenvolvimento
sócio-económico visto que nenhum país se pode desenvolver quando seus recursos econômicos e financeiros estão orientados para o esforço de uma guerra, por
isso, a paz é a palavra de ordem que deve conduzir os passos dos políticos.
A paz não é nenhum dado adquirido mas deve ser uma conquista permanente dos
gestores da coisa pública e a maior responsabilidade cabe, logicamente, ao
chefe de estado. Assim, já abordamos este tema com Mahamaudo Amurane, edil do
Conselho Municipal de Nampula, de seguida ouvimos Daviz Simango, líder do
Movimento Democrático de Moçambique e presidente do Conselho Municipal da
Beira. Agora é a vez do Professor Manuel de Araújo, edil da Cidade de
Quelimane.
Se fosse Presidente da Republica o que faria para evitar
a guerra?
Manuel de Araújo – Em primeiro lugar, eu criaria uma comissão que envolvesse
pessoas de vários estractos sociais, incluindo partidos políticos, centros de
pesquisa, que é para reflectirmos sobre o problema, fazendo uma leitura
imparcial sobre as causas do conflito. O que acontece hoje em dia é o que chega
ao Presidente da República é uma leitura dos pensadores de um partido político,
portanto, não é uma leitura isenta. O cargo de Presidente da República requer
leituras isentas porque ele deve estar acima dos partidos políticos.
O nosso maior problema consiste no facto de que as decisões que o chefe de
estado toma tem sempre em conta os interesses de um determinado partido
politico e não no interesse de todo o povo, contra os demais partidos e não no
interesse nacional.
O conceito sobre o interesse nacional deve voltar à baila e infelizmente no
nosso país não existem muitas escolas que ensinam o que é isso de interesse
nacional, onde começa e termina o interesse nacional. Os corruptos são pela
guerra, são contra a paz.
A partir do dia em que tivermos uma visão do que é interesse nacional, em
Moçambique, porque o interesse nacional deve estar acima dos interesses
particulares e, sobretudo, acima dos interesses dos partidos políticos.
Algo pode ser mau para o meu partido, mas se for do interesse nacional, eu
devo defender isso, mesmo que seja contra os interesses do meu partido ou do
meu grupo de interesses. Se fizermos uma leitura isenta sobre as reais causas
do presente conflito, aí teremos a lupa para descobrirmos os verdadeiros
caminhos que nos levem à paz.
Não vejo qual é o problema porque, neste momento, nós estamos num impasse
porque uma das partes exige a mediação internacional e a outra não quer.
Perguntamos qual é o problema de termos uma mediação internacional? Que eu
saiba, todos os acordos que foram realizados neste país tiveram uma mediação
internacional. Por exemplo, o acordo da paz, o de cessação das hostilidades
militares teve mediação internacional. Porquê hoje há medo da mediação
internacional?
A nossa História ensina-nos que, sempre que discutimos entre nós, não
chegamos a lado nenhum. Portanto, a negação da mediação internacional, para
mim, significa, implicitamente, a negação da paz. Eu já venho dizendo que o
Presidente Filipe Nyusi tem uma característica própria. Ele pisca para a
esquerda mas vira para a direita e isso cria acidentes, por vezes, bastante
graves. Estamos neste acidente que é a guerra.
Quem criou as condições para que houvesse esta Guerra, sabia muito bem o
que estava a fazer. A guerra não é nenhum acidente. Não é algo que acontece
acidentalmente, por acaso. O surgimento desta guerra foi preparada, foi bem planificada.
Há pessoas que estão a ganhar com a guerra. Os generais que tinham perdido
o poder, agora estão a ganhar muito dinheiro com o sangue do povo. Alguns dos
generais estão a ficar muito ricos com esta guerra que promoveram. Hoje têm o
poder de requisitar fundos, combustíveis para o seu uso particular.
Quanto mais demorarmos chegar à paz, mais difícil vai ficando para os
convencermos sobre a necessidade da paz porque eles já ganharam o vício de
acumular riqueza com base na guerra, vivem dos espólios da guerra.
É importante que o problema da guerra seja resolvido agora antes que eles
criem raízes profundas. Uma erva daninha deve ser retirada agora porque quanto
tarde for, será difícil porque terá criado raízes profundas. O hábito de roubar
e de praticar a a corrupção cria hábitos nas pessoas e serão elas que não terão
interesse na paz.
A paz que tivemos até aqui foi uma paz armada, ou seja, não tivemos uma
reconciliação, como foi na África do Sul, através da comissão da verdade e de
outros passos que foram tomados. Se for a ouvir com certas pessoas da linha
dura da Frelimo, há-de notar que ate agora ainda não aceitaram que os membros
da Renamo sejam moçambicanos quanto eles. Eles continuam a ver na Renamo uma
organização de bandidos armados. Intensificou-se a linguagem da “guerra da desestabilização”
quando se referem-se da guerra dos 16 anos.
No período de Joaquim Chissano, essa linguagem não era frequente, mas agora
está na ordem do dia, na desqualificação do outro. O termo “Guerra da desestabilização” havia desaparecido do vocabulário político nacional, mas agora
já voltou. Eles nunca aceitaram que os que estão do outro lado da trincheira
são tão moçambicanos quanto eles.
Se tu não aceitas que o outro tem os mesmos direitos e as mesmas
oportunidades, começa a discriminá-lo. É o que temos estado a ver todos os
dias, no nosso país. Dizes que tudo o que outro pensa não é legítimo e começas
a dividir os cidadãos de primeira classe, da segunda, da Terceira, etc. não se pode ter uma
reconciliação nacional enquanto tiveres cidadãos da primeira, da segunda, da
Terceira…
Temos que fazer um TPC de modo a entendermos o que devemos fazer para
aceitarmos a diferença, aceitarmos o outro que pensa de maneira diferente da
nossa. Se conseguirmos este exercício, veremos o outro como nosso irmão e não
um inimigo a abater. Daí passarei a ouvir o outro com ouvidos de ouvir e não
com ouvidos de mercador, como tem sido. Quando desqualificas o outro, não podes
ouvi-lo, mas finges ouvi-lo. Como pode ouvir a quem chamas de bandido?
Como tu queres negociares com o outro que desqualificaste? – Não é
possível. Por isso, a Renamo requer uma mediação internacional como forma de se
requalificar porque sabe que o outro do lado, não o vê como um parceiro da paz,
não toma de igual para igual.
Não sei se o governo tivesse aceitado a exigência da Renamo sobre os
governadores para as províncias em que venceu as eleições teria parado a
Guerra. Sei apenas que teria esvaziado os argumentos que a Renamo sustenta.
Teria sido um verdadeiro golpe de mestre. Se fosse o Presidente da República,
eu não hesitaria em nomear os governadores da Renamo e depois iríamos ver os
conflitos que isso iria gerar dentro da Renamo.
Qual seria o critério da selecção dos governadores? Isso poderia criar problemas
na Renamo porque há alguns que estão à espera há mais de 20, 30 ou 40 anos para
ocuparem aquele cargo governamental. Seria um desafio pensarmos o dia a seguir
à nomeação de governadores da Renamo, afirmou Manuel de Araújo.