É difícil responder a esta pergunta numa só palavra e de forma linear. É
mais fácil e trivial atribuir as culpas da guerra a uma pessoa ou a uma
organização. Dizer que uma organização foi criada para desestabilizar o país,
constitui uma acusação banal que não exige nenhuma investigação e isso pode ser
uma simples manipulação política da opinião pública. Analisemos os factores
preponderantes que concorrem para desentendimentos que, por vezes, desaguam em guerras
entre os moçambicanos que concorrem para o presente atraso sócio-económico a
que Moçambique e o seu povo estão submetidos. Os culpados pelas constantes
guerras têm nomes próprios e endereços bem conhecidos.
Em 1974, o governo português, dirigido pelo movimento das forças armadas
que derrubou o regime colonial-fascista de Marcelo Caetano, entregou, em
Lusaka, capital da Zâmbia, o poder aos comunistas da Frente de Libertação de
Moçambique, que combatiam o colonialismo, sem o devido escrutínio popular. Os
moçambicanos não foram consultados e, em apenas nove meses de governo de
transição, o país passou a ser governado por um governo que não saiu das urnas
e todos os demais partidos ou organizações políticas foram marginalizados e,
ferozmente, perseguidos pelos detentores do novo poder exclusivo. Desse modo,
estava lançada a semente da morte e da discórdia entre moçambicanos.
A concepção, mais tarde no sistema multipartidário, de que quem vence uma
eleição fica com tudo e quem perde vira um cidadão de importância menor e
desprovido de tudo, teve o seu primeiro passo, em Lusaka. O pensamento de
“partido de vanguarda, força dirigente das largas massas de operários e
camponeses”, nasceu com a entrega de bandeja do poder pelo então governo
português. Com a implementação do “vanguardismo” arvorado pelos libertadores,
deslizou-se até a criação das aldeias comunais, imposição das guias de marcha,
que serviam para limitar a liberdade de movimento com cancelas ao longo das
rodovias. Os desterros e campos de reeducação onde foram fuzilados todos os que
discordavam da “linha correcta” imposta pelos novos patrões do povo.
Em pouco depois da independência nacional, em 1976, o país encheu-se de
pessoas descontentes pela forma como os destinos de Moçambique estavam sendo
conduzidos. Todas as condições objectivas e subjectivas para instabilidade se
vingar já estavam criadas e o regime da Rodésia do Sul serviu, apenas, de
rastilho para detonar a pólvora. O regime rodesiano não era a razão principal
da guerra dos 16 anos, ou seja, da guerra civil. As razões internas foram
determinantes para que o país pegasse fogo. É inegável que o movimento de
guerrilha havia sido criado para servir interesses externos, mas, de maneira
paulatina e inteligente, se transformou num verdadeiro movimento popular contra
a ditadura dos libertadores que se faziam passar de proprietários do país e do
povo.
Os acordos de Roma não foram, integralmente, implementados na sua forma e
espírito. A recusa, alegando exiguidade de fundos, de integração nas forças de
defesa e segurança dos soldados do movimento da guerrilha visou única e
exclusivamente, na não aceitação do outro. A agravar a isso, a expulsão
massiva, desencadeada pelo governo de Armando Guebuza, dos militares oriundos
da guerrilha, fez ressuscitar as velhas rivalidades políticas entre os antigos
beligerantes. A enfadonha conversa no Centro de Conferência Joaquim Chissano, entre
o governo da Frelimo e a Renamo serve, somente, de prova da dificuldade de
aceitar conviver com a diferença. O recusar o outro tinha o acento tónico em
todas as abordagens. O outro é inimigo a abater logo que possível.
É visível no diálogo, agora em curso, que o outro não serve para nada. Por
diversas vezes, ouvimos discursos, com todas as características de demência em
fase de delírio, de que “governaremos por mais 50 anos”. Isto quer dizer que
continuarão no poder com ou sem voto que os legitime, não largarão o poder.
Este pensamento tem se traduzido nas fraudes massivas e na recusa de alteração
substancial da constituição para que possa acomodar os interesses de todos os
sectores da sociedade. Tomam a constituição como algo estático, imutável para
fechar as portas de uma real democratização da sociedade moçambicana.
Daqui pode-se concluir
quem, de facto, agride a paz. É aquele que faz a intolerância e discrimina o
outro pela simples razão de ser diferente, de pensar de modo diferente. Esta é
a razão dos conflitos e das guerras. O recorrer a ilegalidade para continuar
agarrado ao poder é sinal claro de medo por ter cometido vários crimes contra o
povo a quem roubou, matou e pilhou. Aquele que mergulhou o país com dívidas
ilegais e ocultas. Aquele que compra armas para promover uma guerra injusta.
Estão contra a paz os que promovem raptos e assassinatos com recursos aos
esquadrões da morte. Aqueles que transformam dívidas de privados em pública.